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O Aluno das Muitas Doenças

O Aluno das Muitas Doenças


Houve uns anos em que conheci uma escola quase igual a todas as escolas. Esta escola tinha alunos como todas as escolas. Alguns tinham só mães, outros tinham só pais, outros tinham só avós, outros tinham muitos pais e muitas mães e muitas avós, como em todas as escolas. Alguns, mais do que noutras escolas, parecia que nem tinham mães, nem pais e nem avós. No entanto, estes alunos tinham muitos monitores e monitoras.

Alguns alunos gostavam menos de aprender o que a escola lhes queria ensinar, como em todas as escolas. Destes, alguns parecia que gostavam ainda menos de aprender essas coisas pois já tinham estado em muitas escolas diferentes. Tinham vindo para esta escola porque cada uma das outras escolas dizia que não tinha o necessário para que eles aprendessem melhor o que queriam que os alunos aprendessem.

Esta escola de que vos falo, agora, tinha professores e assistentes operacionais como em todas as escolas e tinha também psicólogos e terapeutas e técnicos de serviço social e pedagogos, mais do que alguma vez vi noutras escolas. Esta escola também tinha todos os anos estudantes que estavam quase a ser psicólogos e terapeutas. Todos estes profissionais estavam lá para os alunos aprenderem melhor.

No início de cada ano lectivo um exemplar de cada um destes profissionais sentava-se numa secretária na secretaria para fazer muitas perguntas aos pais, às mães e às avós que vinham matricular os tais alunos. Sentados à secretária na secretaria, parece que estes profissionais percebiam logo quais os alunos que aprendiam melhor e quais os que, aparentemente, não aprendiam tão bem. Quais os que tinham menos defeitos para serem alunos da escola e quais os que tinham mais. Quais as famílias que eram melhores para os alunos aprenderem melhor e quais as que eram piores. Segundo parecia isto era bom porque, sentados à secretária na secretaria, com as muitas perguntas que faziam e papeis que preenchiam, sabiam logo o nome da doença que não deixava os alunos aprenderem melhor. Também sabiam quando essa doença era de toda a família. Parece que algumas doenças eram já uma tradição familiar.

Por isso, naquele momento, escrevia-se logo quais os profissionais que haviam de ajudar, para a vida, os alunos a aprender melhor. Quais as turmas e os professores que podiam ensinar melhor. Normalmente os alunos com nomes de doenças mais complicadas, que faziam com que para além de não aprenderem melhor se portassem pior, ficavam juntos e quase sempre com os mesmos professores.

Os tais profissionais que tinham estado sentados à secretária na secretaria e outros faziam, ao longo de muitos anos, uns exames para os alunos aprenderem melhor. Também faziam, quase sempre, muitos testes para confirmar os nomes das tais doenças que não deixavam os alunos aprender melhor. Depois, às vezes, escreviam uns relatórios. Outras vezes achavam que não era necessário porque a doença que não deixava os alunos aprender melhor já estava dita. Os tais profissionais, às vezes e à vez, também falavam com os professores sobre as tais doenças dos alunos mas sobretudo das doenças das famílias, que não deixavam os alunos aprender melhor.

Nesta escola estava o Rui. Na escola toda a gente sabia que o Rui gostava de aprender. Mas o Rui vinha pouco à escola porque a avó, às vezes, esquecia-se do trazer. Quando o Rui vinha à escola estava sempre a mandar calar os outros alunos para poder aprender melhor. Para o número de vezes que o Rui vinha à escola, aprendia muita coisa. Mas segundo se dizia não aprendia tudo, mesmo tudo, o que a escola queria que aprendesse.

Com o tempo, pouco, começou a pensar-se que a doença que não deixava o Rui aprender melhor devia ter muitos nomes. Já se sabia o nome de uma das doenças. Enurese nocturna que é uma doença que a avó dizia que o Rui tinha e que não o deixava aprender melhor. Mas também devia ter o nome de outra doença que era da avó, mas também devia ser dele porque era da avó. Um nome de doença que não era a mesma da mãe do Rui que também tinha uma doença antes dessa doença a deixar morrer. A doença da avó era uma doença que fazia com que às vezes ela estivesse internada porque ficava muito doente. Tão doente que se esquecia de trazer o Rui à escola e de lhe dar comida e de lhe dar outras coisas que os alunos necessitam ter em casa para aprenderem melhor. Quando estava internada a avó ficava melhor e lembrava-se que o Rui tinha que ir à escola. Mas quando a avó estava internada o Rui ainda vinha menos à escola porque não tinha ninguém para o trazer.

Então os psicólogos falaram com os outros profissionais e com os professores. Como parecia que o Rui tinha muitas doenças que não o deixavam aprender melhor, decidiram enviá-lo a um gabinete que também dizia o nome das doenças que não deixavam os alunos aprender melhor. Era um gabinete com muitos profissionais como os que havia na escola mas que sabiam melhor o nome dessas doenças.

Era um gabinete que tinha um protocolo com a escola. Um protocolo que permitia que o nome das doenças que não deixavam os alunos aprender melhor, ficasse a Bold numa lista de doenças sem ser necessário as famílias pagarem nada. As famílias só pagavam se fosse necessário ir lá mais vezes para tratar as tais doenças que não deixavam os alunos aprender melhor. Se fossem mais alunos do que estava escrito no protocolo e quase sempre iam, as famílias já pagavam para se ver a bold na tal lista de doenças, aquelas que não deixavam os alunos aprender melhor. Às vezes nem as famílias de uns e de outros pagavam, para se saber o nome das doenças que não deixavam os alunos aprender melhor, porque a escola pagava. Outras vezes, para saber o nome das doenças que não deixavam os alunos aprender melhor, pagava o ministério do trabalho e da segurança social porque havia uma lei que o permitia.

Na lista que o gabinete enviou para a escola, entre muitas doenças, lia-se a bold o nome de cerca de 5 doenças (não me recordo com muita certeza o número exato). Eram as do Rui as doenças a bold que não o deixavam aprender melhor. Todos os professores e todos os outros profissionais da escola ficaram descansados. Agora já sabiam o nome das muitas doenças que não deixavam o Rui aprender melhor.

Como se lembram a avó esquecia-se das coisas e até se esquecia de tomar os medicamentos para não se esquecer das coisas. Como se esquecia muito, às vezes, também se esquecia de ter dinheiro para comprar os medicamentos. Por isso também não tinha dinheiro para pagar as muitas consultas que o Rui podia ter no tal gabinete para, parece, poder aprender melhor. Por isso o tal gabinete enviou com a lista das muitas doenças, outra com muitos programas para a escola fazer o Rui aprender melhor. Para o Rui, de entre uma lista com muitos programas, vinham a bold 13 programas todos muito estruturados. Programas americanos muito bons que alguns profissionais diziam conhecer e que, parece-me, ninguém se lembrou mais. Programas que, pela quantidade e estruturação, haviam de fazer esquecer aos professores e aos outros profissionais da escola que o Rui gostava de estar na sala de aula. Haviam de fazer esquecer que o Rui quando estava na escola, quando estava na sala de aula, mandava calar os outros alunos para aprender melhor.

Para além dos nomes das doenças e dos nomes dos muitos programas havia de ler-se, também a bold, o nome de dois CDs com uns jogos. Uns jogos pedagógicos vendidos pelo tal gabinete. CDs que haviam de ajudar, segundo parece, o Rui a aprender melhor as coisas da matemática e da leitura e da escrita. Muitas das coisas que a escola queria que o Rui aprendesse mais as que o Rui já tinha aprendido.

Como quero acabar este texto e não quero que esqueçam o nome da doença que não deixava o Rui aprender melhor, repito. O Rui tinha uma doença que se chamava enurese nocturna e uma avó que também tinha uma doença que a fazia esquecer de muitas coisas, até de trazer o Rui à escola. Para além destas doenças que eram do Rui, parece, também havia todas as outras doenças que um gabinete disse, a bold, o nome e que, parece, também eram dele e que também não o deixavam aprender melhor. Talvez por isso só o professor do Rui, durante ainda algum tempo, se lembrou que o Rui gostava de ir à escola e gostava de aprender e que até mandava calar os outros para aprender melhor.